Bem, vim falar da atrocidade.
Vivemos em um mundo violento! E ela é expressa e executada de várias formas (verbais, físicas, psicológicas) e pelos mais variados motivos (machismo, fundamentalismo religioso, intolerância, futebol). Ontem e hoje vimos o mais completo ápice de violência. O estupro! Ou talvez possamos dizer, “Esse Estupro”. É difícil dizer algo. Mas a minha tentativa é dizer algo em relação a esse absurdo que chegou a nós. Ao meu ver o que ajuda principalmente para isso é um termo marxiano* chamado reificação.
Marx em sua análise da sociedade capitalista traz tal termo. A palavra latina “res” significa, coisa, então o processo de reificação é o processo de transformação de uma pessoa em coisa. Coisificação é um sinônimo usado com frequência. É claro que o sentido que ele traz é no que diz respeito o processo de produção, porém a Filosofia em si e a possibilidade de correlação que ela possui nos permite esse uso do termo.
É claro a coisa não é tão simples. Temos uma cultura machista. Quem a nega, ou é adepto ou não vive no mesmo mundo/sociedade que estamos. São anos! Anos! Que as mulheres são objetificadas, são postas unicamente como meio para se conseguir prazer. São décadas, centenas de anos onde quando uma mulher a partir do momento que usa uma roupa curta, ou anda a noite na rua está “querendo” alguma coisa, ou “pedindo” para ser abusada. Francamente dizer que não existe uma cultura do estupro e que põe a culpa do estupro na vítima é uma incrível falta de senso, ou então algum problema cognitivo.
Com toda essa cultura chegamos hoje ao ponto de tentar justificar a ação destes bandidos que fizeram esse ato escabroso. Pessoas que tem a coragem de dizer que a garota por frequentar bailes, ouvir funk, e usar roupa curta estava pedindo. Estuprador, não vê uma roupa, não vê lugar, o que ele vê é apenas um objeto que será depósito de toda a sua pequenez e repugnância.
Outro fato que me deixou muito pensativo nessa história toda é o fato das pessoas buscarem ver o vídeo que segundo fontes, demonstra o estado final da garota depois do crime. Não consigo ver muita diferença em quem faz e quem assiste. No mínimo ao assistir você já tem um pingo de sadismo. Se dispor a ver um ser humano naquela condição, para mim não tem explicação. No fundo para mim a grande diferença de quem faz e de quem assiste é a coragem da prática do ato, que existe no primeiro e não necessariamente, ou com mesma intensidade no segundo.
Problema outro é o seguinte. As pessoas que continuaram olhando torto para ela. Aqueles que continuaram a manter vivas as memórias do que houve com ela. Que a julgaram por ter sofrido esse abuso, o que para mim é um dos grandes absurdos dessa história. Os estupradores consumaram o ato, mas de certa forma a sociedade sendo representadas por essas pessoas (se é que podem ser chamadas assim), continuará cometendo ato parecido com a garota. O que será pior? Sofrer um ato pavoroso desse, ou continuar rememorando as dores e prejuízos diariamente a cada olhar e comentário que recebe. Para mim isso é uma extensão do estupro, e a culpa recai sobre a sociedade. E totalmente sobre ela. Por cultivar um machismo ela se tornar responsável pela consumação do ato, pois são filhos desse cultivo. E depois de feito ela continua mantendo na memória da vítima o ocorrido, ou seja, se torna responsável anteriormente e posteriormente.
A questão toda não é se é uma garota de 16 anos que já tem um filho. O fato não é se ela gosta disso. O fato é que ela não consentiu. Se ela não consentiu, o ato é violento e assim o mesmo deve ser visto. É um ser humano que sofreu um atentado. É um ser humano que foi violentado sem que ao menos tivesse escolha do contrário. Devemos no mínimo ficar entristecidos com o que houve, afinal de contas foi uma pessoa acima de tudo. Cultivando a empatia devemos pensar: “Se fosse a minha irmã?”, “Se fosse a minha mãe?”, “Se fosse minha filha?”. Será que você continuaria achando que a culpa não é do criminoso. A partir do momento que não conseguirmos mais ver o outro como um igual, e principalmente ver que não somente ele está sujeito a algo assim, mas que também nós estamos, dificilmente teremos capacidade de compreender o que houve. Já que não vemos alguém que sofreu. Alguém que a partir de agora terá uma vida conturbada, uma mente danificada devido a isso. Vemos o que? Um rótulo! Um depósito de nossos preconceitos e de nosso machismo.
Coloquei a minha foto de perfil no Facebook. Depois de várias coisas que vi achei que convinha, porém fico aqui nesta, pensando o que mais pode ser feito. É difícil mudar uma cultura que existe a anos a fio, porém creio que é o que deve ser feito. Porém de imediato creio que o importante é apoiar os movimentos que verdadeiramente defende o direto das mulheres e que realmente lutam por essa causa.
Nós homens nunca saberemos como é sair de casa com medo de sofremos algo assim. Isso assola e oprime as mulheres diariamente por qualquer ruela mais escura que passem. Não podemos dizer que a cultura não existe. Consideremos essa ideia de não exista. O que seria então que assusta as mulheres diariamente?
Vejo algumas pessoas defendendo punições mais severas que ainda não estão previstas em nossa lei. Cavar um buraco para tapar outro não é efetivo. Tenho sérias dificuldade de entender o ato violento como uma injustiça de uma forma e como justiça de outro. Se castração química destes, fosse resolver o problema da sociedade, do machismo, da cultura do estupro e da reificação provavelmente eu a poderia ver com outros olhos, mas como não vejo essa possibilidade, não consigo ver essa alternativa como uma resolução viável.
Esse texto foi mais extenso devido ao que o assunto necessita. Poderia dizer mais coisas, mas por aqui fico. O texto de modo excessivo tem a expressão “para mim”, é porque não pretendo generalizar nada, ou criar uma tese, mas sim expor o meu ponto de vista, considerando as minhas vivências, os diálogos que tive e as opiniões que possuo e que formulo a cada dia. Entendendo ainda que posso mudar de convicção, deixo claro que hoje, é nesta cujo qual me apoio.
* Marxiano, pois há uma diferença entre "Marxista" e "Marxiano". O primeiro é o que acredita no projeto de superação da Sociedade do Capitalismo pelo Socialismo e etc. Marxiano é aquele que estuda a obra de Marx. Então pelo termo está contido da obra preferi usar este termo.
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Arte por: Flávio Wetten, Life on a Draw.
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