terça-feira, 29 de janeiro de 2019

"O homem é bom e a sociedade o corrompe"?

A frase que intitula essa postagem é do filósofo e pedagogo Jean-Jacques Rousseau. Confesso que não li a obra em que ela está inserida, portanto penso eu que criticarei mais o uso cotidiano dessa frase do que necessariamente o pensamento do Rousseau.
Eu sempre pensava sobre o uso dessa frase até que vi esse meme que reavivou todo o meu questionamento:

E realmente devemos pensar! Se o homem1 nasce bom, mas a sociedade o corrompe, quem corrompe a sociedade?
É realmente contraditório se pensarmos nisso. Antes de tudo devemos pensar primeiramente na questão terminológica. O conceito de "bom" é mais complexo, porém penso eu que o referido diz respeito a inocência, querer o bem do outro, alguma ideia de progresso, respeito e por aí vai. Por sociedade vemos no dicionário2 que é: "Reunião de pessoas unidas pela origem ou por leis." Esse é só o primeiro significado, mas os outro seguem a mesma ideia de união, interesses de contrato etc. Então basicamente a sociedade é constituídas por seres humanos. Tendo isso em mente já encontramos uma contradição difícil de lidar. O "homem é bom, a sociedade o corrompe", mas se a sociedade é um conjunto de homens, de onde vem essa corrupção, se o homem é essencialmente bom?
O uso comum dessa afirmativa é contraditório. Alguém precisaria corromper a sociedade para que ela corrompa os homens que são bons por essência. Se o termo sociedade for entendido pelas relações entre os homens e o uso da frase é que a vida em sociedade faz com que o homem seja mau, devido as lutas por sobrevivência e coisas do tipo, voltamos ao mesmo ponto. Se o homem na convivência com o próximo faz coisas ruins para a manutenção de sua vida ele não é essencialmente bom, o mal existe dentro dele e só espera uma oportunidade de sair.
Precisamos de um mal intrínseco que saia de algum lugar. Se o homem for completamente bom, não há como surgir o mal apenas pelas suas relações sociais. Uma relação entre duas pessoas boas completamente, só podem gerar coisas boas. Uma árvore boa só pode dar bom fruto. Dessa forma então não se pode aceitar essa afirmação.
Geralmente vejo as pessoas usando essa frase como subterfúgio. Algo para tirar o peso moral que existe dentro de si. Algo que faça com que o mal existente em seu coração seja outorgado a um fator externo. "Eu nasci bom, mas a vida em sociedade me corrompeu". É fácil demais pensar assim! Da mesma forma os que pensam: "Se Deus existe porque ele deixa pessoas passarem fome?" sendo que não dão um pãozinho sequer para um necessitado.
Nós que corrompemos as nossas relações. O mal está dentro de nós. Nossos primeiros pais comeram do fruto e causaram um eterno afastamento de Deus, uma morte para o cumprir da vontade d'Ele. Somos inclinados para fazer o mal. Você já reparou que uma criança do nada começa a ser egoísta? Começa a mentir? Eu não conheço um pai sequer que ensinou a sua criança a ser má, na verdade o trabalho é inverso. Nós falamos com a criança que "Mentir é feio", "Que ela precisa compartilhar as coisas". O engraçado, no final das contas, é que nós mesmos destruímos esse castelo que começamos a edificar.
A criança internaliza o que ela não deve fazer. Aprende que mentir é ruim, mas em uma situação onde ele precisa mentir? Você leva seu filho na casa de um amigo, e ele não gostou da comida (e no fundo você também não). Perguntam pra você e o que responde? Agora quando a criança é perguntada ela diz: "Não gostei!". Você fica sem graça e quando chega em casa faz o que? Ensina a criança umas mentirinhas sociais e fala com ela que mentir é feio, mas nem sempre. Que ser egoísta é ruim, mas nem sempre. Que prejudicar os outros é ruim, mas nem sempre.
Nós vemos a maldade nas crianças e vamos tentando retirar. Quando conseguimos parcialmente, vemos que isso não é bom. A bondade atrapalha a sociedade. O mundo frenético em que vivemos, a competitividade, o fechar de olhos, o fingir que não viu, não sobrevive em meio a pessoas que vivem pensando no bem do próximo e amam os outros como a si mesmos.
Isso está presente na Fábula das Abelhas de Bernard Mandeville, que conta a história de uma colmeia prospera e riquíssima, a maior da floresta. Algumas pessoas eram viciosas e desonestas, porém a comunidade era próspera, mas em dado momento as abelhas retiraram todo o mal existente e todos se tornaram 100% honestas. O resultado foi que a sociedade se enfraqueceu e ruiu. A moral da história é: "vícios privados, benefícios coletivos" (veja a explicação clicando aqui).
Então digo! O homem não nasce bom, muito pelo contrário já nascemos mal. A única coisa que pode nos levar ao bem é o reconhecimento desta natureza maléfica, dessa raiz do mal que existe em cada um de nós e a partir daí, buscarmos a misericórdia divina que pode nos tirar disso. Não sei qual é a sua explicação para o mal existente na sociedade, mas o uso comum dessa frase de Rousseau é uma resposta possível, apesar de insuficiente ao meu ver. Eu prefiro ficar com essa:
"Criados 'à imagem de Deus' e inocentes a princípio, nossos pais caíram da justiça original e tornaram-se pecaminosos e corruptos. E, desde aquele dia, homens e mulheres nascem segundo a imagem de Adão e Eva, decaídos, herdando um coração e uma natureza inclinados ao pecado [...] O mais lindo bebê do mundo, que se tornou o raio-de-sol de uma família, não é, como sua mãe o chama com muito amor, um 'anjinho' ou um 'inocentinho', e sim um 'pecadorzinho'. Infelizmente, enquanto jaz sorrindo no seu berço, a criaturinha leva em seu coração as sementes de todo tipo de iniquidade! Basta que a observemos com cuidado, conforme cresce em estatura e sua mente se desenvolve, e descobriremos nela uma incessante tendência para o que é mau, e uma grande hesitação quanto ao que é bom. Poderemos ver nela os botões e os germens do engano, do mau temperamento, do egoísmo, da voluntariedade, da obstinação, da cobiça, da inveja, do ciúme, da paixão - tudo o que, se alimentando e deixado à vontade, prolifera com dolorosa rapidez. Quem ensinou essas coisas à criança? Onde as aprendeu? Só a Bíblia pode responder a essas perguntas! Dentre todas as coisas tolas que os pais dizem sobre seus filhos nenhuma é pior do que a declaração comum: 'No fundo, meu filho tem um bom coração. Ele não é o que deveria ser; apenas caiu em más companhias. As escolas são lugares ruins. Os professores negligenciam as crianças. Contudo, no fundo ele tem um bom coração'. A verdade, infelizmente, é exatamente o contrário. A primeira causa de todo pecado jaz na corrupção natural do próprio coração da criança e não na escola."3

Referências
1. Sempre usaremos o termo "homem" de forma genérica, ou seja, gênero humano.
2. "sociedade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sociedade [consultado em 23-01-2019].
3. RYLE, J.C. Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor. 2. ed. São José dos Campos-SP:Fiel, 2016. p.29-30.

Um comentário:

  1. ���� Parabéns pela postagem! Achei muito interessante e concordo com seus argumentos

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